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Entrevista com Oliver Pellet


08/10/ 2014

"...a educação musical continua a ser, no Brasil, o mais sério problema do terreno da música. Apesar do trabalho incansável e eficiente de Villa-Lobos, os pais e educadores desconhecem ainda o inestimável valor educacional e socializante das disciplinas musicais..." (H.-J. Koellreutter, em artigo escrito entre 1944 e 1945)

Uma das máximas da vida musical é que o estudo da música não tem fim, será um eterno aprendizado. No Brasil, muitos músicos sonham ou tem curiosidade em estudar no exterior, principalmente, os que decidem ter um currículo acadêmico: fazer uma graduação, especialização, mestrado, etc. A vida de um músico profissional é difícil e concorrida, e como toda a profissão, se destaca quem investe em capacitação. Para falar um pouco sobre o

ingresso em uma instituição de ensino no exterior, a adaptação, o mercado de trabalho, enfim, a vida de um músico em geral, convidamos o grande guitarrista, arranjador e compositor brasileiro Oliver Pellet, que está fazendo seu segundo mestrado na Europa e desenvolvendo sua carreira por lá. Ele também é um entusiasta e divulgador do estudo do Konokol, mas isso merece um post inteiro em breve!

BS - Qual país você está morando e onde vc estudou/estuda? Qual curso vc fez e como é o curso? Qual a principal diferença de abordagem do ensino musical lá fora em relação ao Brasil?

OP - Terminei agora no final de agosto o Mestrado em guitarra jazz na Universidade de Basel na Suíça. Cheguei em setembro de 2012 e continuo morando aqui onde estou fazendo agora um segundo mestrado em performance. A Universidade de música tem três departamentos: música clássica, música antiga e jazz. Os cursos de mestrado do departamento de jazz são divididos em performance e em pedagogia, sendo que o primeiro é possível fazer com ênfase em instrumento, em composição ou em produção. Eu fiz primeiro o mestrado em pedagogia, que além de ter as matérias específicas de instrumento, ainda te habilita a dar aula em qualquer nível de ensino aqui no país. Este é o diploma mais exigido para quem quer dar aulas. Já as outras opções de mestrado são mais interessantes pelo conteúdo, já que o diploma não é tão importante ou necessário na carreira profissional.

O que me atraiu nos programas de mestrado foi o valor dado à prática musical. A matéria mais importante é o trabalho que você realiza com seu professor de instrumento. A nota final é dada a partir do seu recital de mestrado, uma prova onde é preciso tocar três standards que a banca escolhe, a partir de uma lista de vinte, elaborada pelo próprio aluno, mais uma prova de leitura e uma transcrição de livre escolha. Pra quem faz pedagogia, ainda é preciso ministrar uma aula na frente de uma banca, fazer um estágio e escrever uma tese. Portanto, a parte teórica aqui é exigida, mas tem um peso bem menor do que nos programas de mestrado no Brasil, onde o que importa mesmo é a tese final.

Outra coisa que me estimulou a fazer o mestrado em Basel foram os professores. Meu professor de guitarra foi o Wolfgang Muthspiel, que é um músico renomado e com uma experiência muito vasta. Além dele, ainda tive a chance de ter aulas com Jorge Rossy, Mark Turner, Guillermo Klein, Larry Grenadier e Aydin Esen, todos músicos muito respeitados no cenário atual do jazz.

Outra coisa que acho interessante aqui na Europa, é que os professores não são escolhidos por causa do seu currículo acadêmico, ou através de um concurso tradicional e sim pela carreira, experiência e competência como músico.

Além disso, o estado subsidia os estudos, o que faz com que os cursos sejam bem mais acessíveis comparando, por exemplo, com os EUA onde um curso universitário pode atingir taxas muito elevadas. A estrutura da Universidade é excelente, e o aluno ainda tem no decorrer do ano a possibilidade de assistir diversos workshops de músicos que estão de passagem pela cidade. Só para citar alguns nomes que passaram por lá: Esperanza Spalding, Lage Lund, Alex Sipiagin, David Kikosky etc.

BS - Você tocava bastante aqui em Ctba e tinha lançado um cd autoral de música instrumental, o Unterwegs, o que te moveu a “parar tudo” e ir estudar no exterior? Que tipo de conhecimento específico você buscava encontrar?

OP - Eu queria de qualquer jeito fazer um mestrado fora do Brasil. Uma porque o mestrado no Brasil é muito voltado para a teoria e muitos me diziam que durante o mestrado sequer encostaram no instrumento. Outro motivo foi buscar a oportunidade de aprender com outros professores, com uma estética totalmente diferente e de poder vivenciar um outro ambiente musical. Além do mais, queria ver como era aprender jazz na Universidade, já que quase tudo o que aprendi foi com professores particulares e um breve curso intensivo na New York University em Nova Iorque. Mas talvez, o que me fez de verdade parar tudo e vir pra cá foi o fato de poder estudar com o Wolfang Muthspiel. Eu estava em um momento onde não sabia muito bem pra onde ir musicalmente e logo na prova de admissão da Universidade, o Wolfgang já me falou umas coisas que me abriram a cabeça. Eu pensei então que queria vir pra cá aprender e colocar em prática as coisas que ele havia me falado.

BS - O choque cultural para músicos brasileiros na Europa é muito grande?

OP - Sim, pra mim pelo menos foi bem grande. O jeito de tocar aqui na Europa é muito diferente. A música é muito mais introspectiva e se busca mais “falar muito” com poucas notas. Há uma tendência bem grande em tocar de forma mais livre e o virtuosismo não é algo que tem um papel muito importante por aqui. Muitas vezes acaba sendo o inverso do que acontece no Brasil, onde o virtuosismo tem uma força muito grande e quase nunca se toca em andamentos mais lentos.

BS - Como a música brasileira é recebida? Os músicos brasileiros têm boa reputação?

OP - De maneira geral, sim. Os músicos latinos em geral tem muito espaço por aqui. É muito admirada a forma com que nós tocamos, com aquele sorriso no rosto, de forma mais leve e com o famoso “suingue”. O chamado latin jazz tem muito espaço na programação dos clubes de jazz e nos grandes festivais também. No entanto, minha percepção é que as pessoas em geral não conhecem muito bem a música brasileira por aqui. Com exceção da Bossa Nova, tudo é meio exótico pra eles, o que por um lado é interessante, pois chama bastante a atenção. As pessoas aqui são muito curiosas e atentas às manifestações artísticas.

BS - O que é o Konokol? Como surgiu o seu interesse por ele e como esse conhecimento influenciou a sua música?

BS - Konokol é uma tradição milenar de percussão vocal que tem origem na música do sul da Índia, a chamada musica karnática. Essa prática se utiliza de dois elementos: as sílabas rítmicas e uma coreografia de mãos, e pode servir tanto como um método pedagógico como uma forma de expressão na performance. A primeira vez que vi alguém executando Konokol foi em um show (DVD) do John McLaughlin com o percussionista indiano Trilok Gurtu. Em um dado momento do show, o musico indiano executa o Konokol e o virtuosismo e a complexidade rítmica que ele demonstrou, me deixou de queixo caído! Fiquei muito impressionado e pensei que deveria encarnar de novo para poder compreender de fato, o que estava acontecendo ali. No entanto, alguns anos mais tarde, um amigo que tinha estudado na Berklee nos EUA, me passou algumas anotações de aulas que ele teve com um baterista norte americano que tinha estudado com músicos indianos. Ali foi meu primeiro contato com o Konokol e comecei a estudar regularmente as sílabas e os ciclos. Mais tarde começaram a surgir outros livros, DVDs, aulas online e fui aprimorando meus conhecimentos. Quando estive em Nova Iorque, em 2010, eu tive algumas aulas com músicos que conhecem mais o Konokol e pude expandir um pouco mais meus conhecimentos. No entanto, o pouco que sei, aprendi sozinho, muitas vezes até transcrevendo solos que ouvia em gravações ou em vídeos do youtube. Hoje em dia já existe muito material a respeito do assunto e, existem até professores que dão aulas via Skype.

Na minha opinião o Konokol é um tesouro da humanidade que deveria ser um estudo obrigatório para todos os músicos. Sempre tive muitas dificuldades com o ritmo e o konokol foi algo que me ajudou muito e até hoje ainda ajuda. A meu ver é um sistema simples que te permite de forma fácil e divertida a dominar as principais questões rítmicas como as subdivisões, as polirritmias, as modulações métricas e muito mais. Além do mais, você pode praticá-lo em qualquer lugar, talvez só algumas vezes, buscando uma certa discrição para não causar a impressão de que você fugiu de algum hospício.

BS - Atualmente você vem atuando mais com gigs, aulas ou workshops? Fale-nos um pouco sobre a necessidade de ser versátil para se destacar nessa profissão.

OP - A vida de músico aqui na Suíça não é muito diferente da vida de músico aí no Brasil, no sentido de que se deve fazer de tudo um pouco. Claro que as condições aqui podem chegar a ser muito boas, e muitos músicos vivem apenas trabalhando como professor. O salário de professor de música aqui é um dos mais altos da Europa e chega a ser ridícula a comparação com o que se paga no Brasil. Desde agosto de 2013 eu passei em um concurso para dar aulas de guitarra em uma escola de primeiro grau em uma cidade aqui próxima de Basel. Eu leciono para crianças de 7 a 16 anos, o que muitas vezes é um desafio. Além disso, leciono em mais uma escola particular e tenho também meus alunos particulares. Isso me possibilita um renda fixa que eu não dispunha no Brasil e que pode dar uma liberdade maior para fomentar projetos próprios e a selecionar melhor as gigs como sideman. O que eu acho interessante aqui, é que existe um circuito muito grande e abrangente no mercado musical da Europa. Cada cidade tem o seu clube de jazz e a maioria das cidades grandes tem o seu festival de jazz. Isso possibilita um mercado bem grande para quem quer tocar e desenvolver um trabalho autoral. Outra característica que acho interessante aqui, é a rotatividade. Não existe essa coisa de os mesmos músicos tocarem toda a semana no mesmo bar. A programação é muitas vezes tão diversificada que você chega a tocar com o seu projeto somente uma vez ao ano em um determinado local. Isso estimula também a rotatividade entres os clubes e, é muito comum aqui você realizar pequenas turnês com seu trabalho pela Europa afora.

Claro que nem sempre as condições são perfeitas, muitas vezes você toca por Kollekte, o que significa literalmente passar o chapéu depois do concerto, mas mesmo assim muitas vezes chega a render mais que alguns bares que eu tocava em Curitiba. As pessoas se interessam muito pela arte em geral por aqui, e dão um valor muito grande aos músicos. O que eu acho difícil, é que muitas vezes você tem que fazer todo o trabalho de produção, uma vez que as agências aqui são mais escassas. Mas, as possibilidades são muito grandes devido ao grande contingente de clubes e festivais de jazz. Se um músico manda o seu projeto no início do ano para todos esses clubes, há uma grande chance de pelo menos uns dez darem certo. Se você ainda toca em projetos diversos, há uma grande chance de você tocar bastante por aqui.

MP - Pra finalizar, quais são seus projetos futuros?Cd? Shows?

BS - Pretendo lançar nos próximos anos alguns trabalhos que venho elaborando, inclusive no decorrer dos meus estudos de mestrado. Um deles é o trabalho com minhas composições que intitulo Oliver Pellet Quinteto que procura retratar essa nova fase da minha vida musical com diversas experiências vivenciadas aqui na Europa, a partir do contato com muitos músicos de todo o mundo. Realizei alguns concertos aqui na Suíça com esse trabalho e pretendo trabalhar para ir um pouco mais além e tentar entrar em alguns festivais mundo afora. Outro projeto é o de gravar um CD de trio tocando standards. Algo que talvez todo guitarrista em algum momento da vida faz. E o que eu estou pensando há algum tempo e que está no meu projeto para o atual mestrado em performance, é um trabalho de guitarra solo com a utilização adicional de outros elementos como o Konokol, loops e efeitos. Além disso tudo, pretendo buscar a publicação da minha tese de mestrado que foi sobre a substituição enarmônica de acordes, uma prática que aprendi inicialmente com o guitarrista Lage Lund e que desenvolvi no mestrado a partir do auxílio do Wolfgang Muthspiel.

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