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Entrevista com Luana Godin


Ah... os novos humanos desta geração... quem consegue entendê-los? A convidada desta edição do Blog do Som conseguiu! Luana Godin conversou com a gente sobre o seu disco solo (ou melhor sOLA!) e mostrou que entre guitarras distorcidas e percussões bem brasileiras a música pop vai muito bem obrigado! Pare um pouco com as selfies e confira!


BS - O disco “sOLA” tem vários estilos musicais reunidos. Rock, música brasileira, black music, etc... Gostaria que você falasse um pouco sobre o processo de composição dessas músicas, sobre os arranjos e a produção em geral.


LG - A minha história musical é muito diversa. Na infância até à adolescência, estudei piano e violino erudito e cantei em corais de MPB. Em casa sempre ouvi música erudita, jazz, blues, bossa nova, mpb... Mais tarde me aventurei na escuta do pop, rock, reggae, rap e meu leque de sonoridades cada vez mais se ampliou. O samba também tem uma presença muito marcante na minha carreira. Toda esta gama de referências está no meu processo como compositora e como cantora e por fim meu primeiro disco solo, o sOLa, ficou múltiplo de gêneros. A escolha das canções se deu a partir do meu primeiro show solo, Filha da Primavera e os arranjos em sua maioria são coletivos, duas faixas foram arranjadas por Alonso Figueroa e a produção musical ficou por conta dele e do Luigi Castel, e claro, eu sempre por ali querendo dar uns “pitacos”. A canção Luz foi produzida por mim e pelo Luigi de maneira mais caseira, queríamos dar este ar à ela por conta da sua temática. Os músicos que estão no disco são muito importantes pra mim, nesta trajetória de trabalho solo, porque todos investiram com sua criatividade e musicalidade para “levantar” as canções. Mauricio Escher, Anderson de Lima, Thales Lemos, Alonso Figueroa são a banda base dos arranjos. Paula Back, Filipe Castro, Henrique Dvulhaltik, Raule Alves e Fernanda Cordeiro abrilhantaram os arranjos com suas participações e Luigi Castel é o coautor da Luz, assim como fez a mixagem e masterização do disco. Virgílio Milleo é o técnico responsável pela gravação e dono da Áudio Stamp, estúdio que gravamos todas as faixas com exceção de Luz. A fotografia ficou por conta de Daniela Carvalho e Luigi Castel, a maquiagem por Ana Moletta, o design gráfico por Lucas Morita e alguns looks do Ateliê Flor de Vedete.



BS – Vinil, cd, mp3, streaming, redes sociais, etc... Atualmente, poucas pessoas ainda compram o “cd físico” ou ouvem rádio. Como você consome música e quais os “veículos” ou “estratégias” o artista deve usar para divulgar um trabalho independente?


LG - Eu ouço muita rádio e utilizo plataformas e o youtube para ouvir álbuns e singles. O cd físico, eu compro normalmente quando vou ao show do artista, raramente compro cds de artistas do mainstream, gosto de incentivar o artista independente. Em relação ao tipo de veículo para se ouvir música, creio que depende bastante da faixa etária que você tem como público e do tipo de música que se produz. O “cd” é um importante “cartão de visitas” para o artista. Por exemplo, quando faço um show muitas pessoas vêm perguntar do cd físico, pois gostam de ver o material visual, ouvir em casa ou no carro. Mas, claro que atualmente temos que vincular nossa música a plataformas digitais, por seu alcance e custo incomparável às mídias físicas. Acho fundamental você ter uma relação criativa nas redes sociais, propor materiais visuais diferenciados e atraentes, conversar com as pessoas, tornar-se uma imagem provocativa, se puder fazer parcerias e criar vídeos clipe, fotografias bem produzidas. Mas ainda acho que se o artista não fizer um show com excelência musical independente do gênero, não ter bons músicos ao seu lado, não ter um trabalho vocal profissional, não ter carisma ou presença de palco e também não investir numa produção técnica, não há como sustentar por muito tempo o título de artista profissional.


Foto by Eve Ramos

BS – Como foi a tua formação musical? Você estudou música? Quais outros grupos você já participou, quais eram os estilos deles e por que só agora resolveu lançar um disco autoral?


LG - A minha formação musical começou em casa, pois minha mãe é pianista. Com seis anos assisti um coral infantil e resolvi que queria cantar. Sempre fui inquieta, queria tocar vários instrumentos, então fiz aulas de violino, piano erudito e popular. Comecei a tocar violão com amigos e percussão através da capoeira. Não tenho formação acadêmica em música, me enveredei pelo teatro e sou formada como professora e também sou atriz. Já tive muitos grupos de música, bandas de reggae, participei de grupos de forró, integrei o grupo Samba de Saia por nove anos, participei e ainda integro muitos projetos com música e artes cênicas. Acho que demorei, ou nem tanto assim (já que 40 é o novo 30, digo que 30 é o novo 20) então me sinto uma jovem adulta de 20 anos rsrsrs , que tem mais experiência que parece pra lançar seu primeiro disco solo, depois de mais de 20 cds gravados. Esta escolha tem a ver com minha personalidade, eu era tímida e sempre fui conectada aos processos coletivos de criação. Minha formação como professora de teatro me fez sempre querer fazer pulsar e mostrar aos outros suas capacidades, então muitas vezes me freei ao cuidar dos outros. Outra questão, é que na minha casa não existe a cultura de idolatrar um artista ou qualquer pessoa que seja, acho que por isto a música pra mim era como respirar e não como uma coisa de “serei uma cantora famosa”. Pra mim a arte vinha antes da fama, mas ao mesmo tempo me vi em situações que não estavam contribuindo nem com meu processo como artista criadora e nem com o público em relação a mim. Quando percebi que minhas canções e minha capacidade total como artista não estavam tendo lugar na minha carreira, decidi que ia fazer um show solo com a minha cara, com todos os gêneros que eu quisesse e claro com a forma de produção e tratamento profissional que eu acredito.



BS – O que você ouvia quando começou a gostar de música e o que você tem ouvido

atualmente? Quais artistas você pode dizer que realmente te influenciaram?


LG - Como comentei antes, há uma diversidade. Mas vou apontar alguns nomes, Chopin, Beethoven, Billie Holiday, Elis Regina, Milton Nascimento, Janis Joplin, Bob Marley, Tom Jobim, Edu Lobo, Djavan, Chico Science e Nação Zumbi, O Rappa, Daniela Mercury, Lauryn Hill, Michael Jackson, Luiz Gonzaga, Mercedes Sosa, Edith Piaf, Rita Lee, Os Novos baianos, Dona Ivone Lara, Noel Rosa, Paulinho da Viola... Atualmente tenho ouvido artistas da nova geração e tenho ouvido mais música pop, pois gosto realmente de ampliar minhas referências de timbre, de melodia, de arranjo. O que tenho tentado assimilar da música pop para a minha música é o minimalismo presente nas bases musicais em prol da melodia e da batida rítmica.


BS – O que é mais importante para uma cantora: potência e afinação ou transmitir emoção e ser expressiva?


LG - O ideal seria tudo isto junto e se souber dançar então...(rsrsr) Mas creio que é um conjunto de fatores. Têm cantoras que é maravilhoso ouvir o disco, pois a afinação é impecável, a articulação, a dinâmica, mas de repente você vai ao show e não encontra aquela artista com presença de palco. Já existem cantoras que não têm um timbre tão bonito e uma afinação tão impecável, mas têm carisma, têm emoção, expressão, você vai ao show e é levado para um lugar maravilhoso que só a arte do espetáculo alcança. Acho que conta muito também quando a cantora é a compositora, você até “perdoa” aquela desafinadinha, porque sabe que é a autora expressando sua mensagem musical. Mas quando é uma intérprete, espero encontrar a técnica atrelada à expressão. Por isto creio que quem quer ser uma cantora profissional e não tem a técnica adequada, deve estudar, e para as mais tímidas acho importante investir em aulas de teatro, de dança, para integrar o corpo todo à sua música.


BS – Gostaria que você contasse um pouco da tua experiência como cantora em Dubai...


LG - Eu fui à Dubai com o grupo Samba de saia em outubro de 2012 e retornamos ao Brasil em janeiro de 2013. Tocávamos de terça a domingo em uma feira internacional com 43 países e nós representávamos a cultura brasileira tocando samba. Pessoalmente foi uma das experiências mais enriquecedoras na minha história enquanto mulher ocidental e cheia de referências tão diferentes da cultura oriental e islâmica propriamente dita.

O Samba de Saia é um grupo totalmente feminino, e na época todas tocavam, inclusive as cantoras principais. A expectativa do público era que fôssemos dançarinas. Esta função de tocar um instrumento é quase que um lugar masculino, mesmo aqui no Brasil isto ainda é muito preponderante, já ouvi algumas vezes que toco pandeiro como homem, claro, ouvi isto de homens. Eu percebia que todos ficavam encantados, alguns abismados, outros indignados com nossos braços e decotes à mostra. Mas fomos muito respeitadas, as pessoas queriam chegar perto, tirar fotos. Ainda somos vistas como “exóticas” por nações que também são vistas assim. Mesmo vivendo no Brasil, o país mais miscigenado do mundo, também nos vemos perplexos com as diferenças culturais. De coisas engraçadas, por conta da diferença cultural, foi uma das integrantes ser multada por mascar chicletes no metrô e por um paquistanês imitar a gente falando (tititototututete), sem entender a imitação, comentei “que exagero, nem Tem TanTo T assim...” Talvez Tenha e, quando na última semana no parque eu e a Edi resolvemos caminhar sem os cabelos, pescoço, braços à mostra, enfim somente as mãos e o rosto desnudos, e nossos amigos islâmicos quando nos encontraram não acreditavam e diziam “agora sim, vocês estão lindas”.


BS – Algumas letras do disco mostram uma personalidade forte. Você concorda que as mulheres compositoras exploram temáticas diferentes de homens compositores?


LG - Finalmente temos espaço sem precisar de codinomes, ou perder a família, ou ser rechaçada, ou ter que escolher como fez Chiquinha Gonzaga para poder expressar sua genialidade musicalmente. Acho que sou forte, a vida vai deixando a gente assim ou acabamos por sucumbir. O que me deixou mais forte foram as coisas que mais testaram a minha tristeza, a minha autoestima, os acontecimentos da vida que me frustraram, que de algum jeito me tiraram a inocência e aquele ar sonhador infantil.

Sim, acredito na representatividade, na coisa da vivência, de viver um corpo de mulher ou tornar-se uma mulher. Mesmo entre as mulheres haverá as divergências, as diferenças de educação, de cor, de princípios, de valores, de idade e de personalidade. Creio que sim, há coisas na vivência de ser mulher que só nós podemos contar para o mundo, porém creio que todos temos uma contraparte masculina e feminina, o que nos torna universais. Acho que temas como “curtir a vida na balada”, “ser poderosa”, “beijar quem eu quiser”, “ter seu dinheiro”, estão cada vez mais saindo do âmbito masculino e tornando-se tema musical de mulheres, porque isto representa as mulheres de hoje. A canção Meu bem é da lua, fala de abandono, de choro, de lamentação, foi uma fase que eu já vivi, mas que não vivo mais, me inspirei nos sambas canção, que tratavam deste tema, era a “sofrência” de outro tempo. Acho que a liberdade de expressar o que se é, é o mais importante. Atualmente tenho criado canções com outros aspectos do feminino, o que tem me feito muito bem, estamos na era de elevar a autoestima das mulheres, de nos lembrarmos do poder que temos, não porque somos melhores que os homens, mas porque temos saberes próprios e que devem ser valorizados e relembrados na música e no cotidiano.


BS – O artista ainda tem um papel político na sociedade ou é apenas uma profissão como outra qualquer?


LG - Acredito na visão de Paulo Freire, que toda ação é política. Como parte da sociedade,


da Pólis, tudo que fazemos, que comunicamos, é uma atitude política, está intrínseca nossa ética, cidadania, caráter e visão de mundo. Um artista pode ter o que contribuir ao falar de política partidária, se ele entende as esferas e as divisões dos poderes e tem como somar ao público com informações e visões de sociedade que estejam claras e fundamentadas, ótimo. Se não, acho melhor que fique quieto e não repita um discurso sem conhecimento. Mas na visão de que toda atitude é contribuir com a forma como a sociedade se organiza ou fundamenta sua nação, creio que devemos estar cientes de que nossa mensagem pode influenciar uma geração. Por exemplo, um artista que associa o seu sucesso por ter roupas de grife, ter carros caros, grana, etc... ele está enviando uma mensagem de que o poder aquisitivo e o materialismo são a fonte da alegria e sucesso. Se você era pobre e agora é rico e famoso, está dizendo “viu, eu venci na vida, agora eu sou foda”. Os valores estão intrínsecos nesta mensagem. Mas me pergunto, como chega esta mensagem ao povo de uma comunidade pobre que não vai enriquecer e ter carrões e roupas de grife? Será que a beleza e a riqueza e o sucesso estão somente de mãos dadas com o dinheiro e o poder? Estou contribuindo socialmente e na autoestima em qual aspecto? Eu lembro bem da época em que ouvi “não compre, plante”, um tabu ainda na política e sociedade brasileira, nas bancadas que distorcem e misturam o sagrado crístico com poder político. Não compre maconha, plante. É uma lei diferente da que temos, sua proposição tem diversas consequências econômicas, sociais que lhe atribuem. Pra mim é uma fala extremamente política. Este grupo teve uma significativa influência numa geração de adolescentes, que por consequência também chacoalharam a sociedade e seus preconceitos. Quando falo de um orixá também estou sendo político, estou expressando livremente minha visão espiritual, e isto tem uma mensagem de diversidade cultural, de direitos humanos de resgates da memória africana, de liberdade de expressão, que foi uma conquista política.


BS – Pra fechar, quais são os teus próximos projetos?


LG - Estou fazendo o meu show sOLa em eventos culturais, assim como muito envolvida com o teatro musical. Já estou começando a pensar na proposta do meu segundo disco. Estou montado um show chamado Gôsto do sol, um especial com músicas consagradas por Elis Regina. E também estou envolvida em projeto de fomento à música autoral e artistas independentes.



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